Separei o argumento do Pondé em três pontos, que vejo como principais. O primeiro é a visão de que ele tem dos índios, ou o Povo da Floresta, entendimento que é no mínimo estereotipificante e que sujeita a indianidade a um território, isto remonta as velhas tentativas de categorização dos índios (territórios, contatos intermitentes, comportamento, etc). A segunda é a questão do Ridículo que ele interliga com a divulgação da situação que envolve os Guarani Kaiowá e o último ponto é o que chamarei de Ativismo de Iphones. Com relação à imagem que Pondé tem dos índios, é que eles vivem em um “modo de vida neolítico” e estão em uma “infância moral” e por último são os “Povos da floresta”. Penso que talvez seja o contrário, pois Pondé esta a beira de um pensamento neolítico e leva na sua mão várias pedras.
O segundo ponto é uma espécie de genealogia do ridículo, o argumento é que quando várias pessoas da espécie humana se juntam a banalidade e o ridículo se transforma na paisagem da alma. Pondé faz referência ao poeta russo Joseph Brodsky que diria que os sentimentos maus são os mais comuns na humanidade, e que quando pessoas se juntam em bandos a tendência deste sentimento é se tornar insuportável (não era necessário referir-se ao poeta, o psicanalista Sigmund Freud coloca importantes características dos grupos, e os compara as crianças, como também aos neuróticos, pois nele estaria uma expressão forte do inconsciente).
Desta forma, Pondé afirma que o ridículo estaria em abundancia no ser humano e juntando a argumentação do poeta, ele seria um sentimento mau. Este ridículo, este sentimento, poderia ser visto com maior facilidade nas redes socais (grupos). Até este momento poderíamos concordar com Pondé, mas então ele dá um salto e relaciona a atitude (ativismo?) de colocar nomes de índio como sobrenome, como a expressão deste ridículo. A origem de colocar nomes indígenas como sobrenomes estaria na ideia de Bom Selvagem do filósofo Jean-Jacques Rousseau. Pondé vê nessas atitudes de mudar o nome como uma valorização de um “conceito”, de uma “ideia” de um bom selvagem, que nunca existiu. De fato, é interessante vermos o bom selvagem como um conceito operacional, mas não para a valorização deste conceito, e sim para uma crítica a sociedade. Pondé não entendeu a função de uma troca de nome no facebook, pois não diz respeito a uma valoração do bom selvagem de Rousseau, mas algo do qual ele mesmo foi afetado, que é tirar uma situação de uma invisibilidade e levando em conta este ponto, a troca de nomes está funcionando perfeitamente: vide o artigo do Pondé.
O último ponto do filósofo é a proposta de um Ativismo de Iphone, que entendo em um duplo sentido. O primeiro como uma possível crítica a ineficácia de troca de nome como uma forma de divulgação de um acontecimento, e em um segundo sentido é para que os índios falem da própria opressão social que estão vivendo. No primeiro aspecto é interessante ver como apenas uma troca de nome em massa, pode dar uma visibilidade maior a algum acontecimento especifico, e por meio desta visibilidade levar um tipo de informação. O segundo ponto é a ironia do Pondé, de praticamente dizer “A troca de nome não é algo efetivo, que doem os seus Iphones o seu luxo para os índios”, esta ideia relaciona-se novamente com uma concepção de identidade que Pondé tem do índio, do qual, sempre estará pintado com o urucum e segurando o seu arco e sua flecha, mas nunca um Iphone.
Para manter a brevidade desta resposta, não vou me ater aos três pontos separados do pensamento do Pondé, mas somente salientar alguns aspectos do primeiro que achei mais forte, ao caracterizar o modo de vida indígena neolítico, com um status psicológico infantil (que também tem seus ecos jurídicos, pois uma criança não tem responsabilidade pelos seus atos) e com uma territorialidade na floresta. Com isto Pondé constrói sua visão do índio, sujeita paranoicamente o índio a uma identidade, da qual se torna, por exemplo, impossível que um índio queira morar na cidade, ter uma profissão e que ao mesmo tempo não deixe de lado algumas características do seu pensamento, como uma visão diferente da relação subjeito-objeto, uma atitude diferente diante dos animais, e também perante a ecologia. Penso que talvez seja necessário, um pouco de esquizofrenia, que tenhamos múltiplas vozes em off, e que elas povoem o nosso corpo, sem que isso seja um dano, para uma identidade que pouco nos interessa.
Por último, o que proponho para o Pondé é uma experiência de pensamento. Pois, aqueles que colocaram o nome de Guarani Kaiowá como sobrenome não querem ser índios, ou abraçar o bom selvagem, sei que boa parte deles quer ver o índio como uma possibilidade de pensamento, ver o pensamento ameríndio como potência que nos ajudaria a pensar problemas tipicamente ecológicos, ambientais, urbanos, capitalísticos, epistemológicos, etc. Por isso é interessante um transcorrer-se índio; não para sê-lo, mas para vermos alguns pontos com outra intensidade.
Grande parte dos problemas atuais me parece não ser resolvido por esse padrão de subjetividade ocidental, por uma valorização da uma razão instrumental, por uma materialidade e na adoção de um utilitarismo (no pior sentido deste termo), mas talvez seja necessária outra “ecologia mental”, “territórios existências”, para usar o vocabulário de Felix Guattari. E é neste ponto em que as coisas se atam ao ponto do estrangulamento, pois os índios nem sempre tem esta visão, não aceitando os nossos mitos e ilusões. Neste momento que o pensar “com” poderia ser interessante, e digo isso nem mesmo para mudarmos o nosso pensamento, mas para experimentarmos um outro tipo de pensar.
Um exemplo é refletir a nossa relação com os animais não-humanos, porque temos que vê-los como uma mercadoria, um objeto de consumo e não como um Outro, a herança da nossa atitude com relação aos animais não-humanos é cartesiana, por que não pensar em outras possibilidades? Uma mesma reflexão poderia ser feita com relação à natureza, e aqui penso que tudo é natureza, a modificação tecnológica é natural; mas por que não amá-la e pensá-la esteticamente? Uma última interrogação que considero ainda mais vital é perguntar se deveríamos seguir os moldes de uma Europa decadente, de um progresso a todo o custo, ou reinventá-lo com tinta de urucum em novos matizes? Talvez não seja necessário seguir os mesmos passos de uma história ocidental a beira de um precipício, mas seguir o seu caminho, mesmo que incerto.
Confira o artigo de Luiz Felipe Pondé na Veja.