Bruna não conseguia esconder a felicidade
que estampava seu rosto naquela manhã. Saíra para fazer compras pela primeira
vez na nova cidade e estava tão contente que nem o peso das compras atrapalhava
seu estado de espírito. Tanta felicidade era causada pela tão sonhada vaga na
universidade federal da cidade, uma das melhores do país, que ela havia
conquistado depois de tantos meses se preparando para o vestibular. Após vários
dias de comemoração com a família e os amigos, e um belo presente em dinheiro
oferecido pelo pai, as férias haviam chegado ao fim e a moça se mudara para a
capital, onde dividiria o apartamento com outra estudante.
Era menina humilde e ingênua. Estava
fascinada e ao mesmo tempo assustada com a metrópole. Os carros que
congestionavam as ruas pareciam-lhe sempre prontos a arremessarem-na pelos ares
ao primeiro descuido. As pessoas estavam sempre apressadas, sérias, pareciam
não notar sua presença nas calçadas. Estava acostumada com as calçadas vazias
de sua cidade natal, onde as pessoas sempre se cumprimentavam e tinham um
tempinho para trocar dois dedinhos de prosa. Na capital, não. As pessoas
estavam sempre indo a algum lugar. Até mesmo os mendigos e os vira latas tinham
pressa, pareciam ter hora marcada com alguém, em algum lugar.
Chegara de viajem na noite anterior. Após
conhecer a companheira de apartamento, foi logo dormir, pois pretendia sair
cedo para comprar sua parcela de mantimentos para seu novo lar. Agora, por
volta das dez da manhã, estava exausta pelo peso das sacolas, mas pouco se
importava. Não via a hora de começar logo a estudar. Fazer novas amizades,
conhecer a cidade que tantas vezes assistira pela televisão sonhando com o dia
em que faria parte de toda aquela atmosfera de cinema. Mas primeiro, tinha que
se concentrar em lembrar o caminho até seu prédio e arrumar suas coisas. Depois
de perguntar a um taxista, num momento de dúvida sobre qual direção tomar,
acabou reconhecendo ao longe a fachada do enorme edifício.
Vencido o grande desafio de achar o
caminho de volta em uma cidade completamente desconhecida, Bruna se depara com
outro obstáculo:
- Qual é mesmo a campainha do me
apartamento?
Estava em frente a duas portas, uma ao
lado da outra. A porta da direita era a do seu apartamento e a da esquerda era
do apartamento vizinho. Entre as portas estão duas campainhas, uma em cima e a
outra mais embaixo. Por maior que fosse seu esforço, não conseguia lembrar-se
qual era a campainha. Com os braços cansados e a vontade de descarregar logo
aquele peso, preferiu arriscar uma das campainhas que procurar a chave dentro
da bolsa. Acabou tocando a capainha com a testa mesmo, para ganhar tempo. Como
o peso da cabeça fora mal calculado e o interruptor já estava velho, o mesmo
acabou disparando o som da campainha, fazendo-a soar por vários segundos.
Desesperada com a mancada, a garota deixa cair as sacolas e procura a chave
para entrar logo. Se tivesse tocado a campainha errada teria de desaparecer do
corredor antes que viessem atender a porta. Por fim, consegue entrar no
apartamento. Com o rosto queimando de vergonha, guarda as compras e percebe que
sua companheira não está. Acaba rindo de si mesma. Tocou a campainha à toa e
ainda não sabe se foi a de seu apartamento ou a do vizinho. Cansada e com um
sorriso no rosto, resolve deitar-se por alguns minutos antes do almoço.
Quase uma hora depois, Bruna desperta e se
levanta para preparar o almoço. Abre a porta do quarto e seu coração dispara: o
apartamento está repleto de fumaça. O cheiro de queimado arde seu nariz e ela
entra em desespero. Corre procurando o foco de incêndio, na esperança de ainda
conseguir controla-lo, mas nada. Procura em todos os cômodos do apartamento e
não conseguem descobrir de onde vem a fumaça. Resolve então, ir até a janela da
sala gritar por socorro. Quando a garota olha pela janela, percebe que a fumaça
vem do apartamento vizinho. Desesperada, começa a gritar:
- SOCORROOOOOO!
BOMBEIRO! FOGO! INCÊNDIO! CORRE! SOCORROOO!
Grita a plenos pulmões, tomada de pânico.
Quando ouve uma voz vinda de dentro do enfumaçado apartamento vizinho:
- Já não basta ficar tocando minha
campainha à toa, agora vai fazer escândalo porque eu queimei o arroz?
(Walisson
Menezes)