8 de ago. de 2014

Assum Preto


Quando nasci
Um médico que assistia o parto, impaciente
Empurrou a barriga da mamãe
Pra que eu saísse sem demora
Por mais que a médica que coordenava
Estivesse tranquila, achando que eu já viria
Que estávamos em ótima condição
Pra que logo logo eu viesse pra fora
Mas mães não entendem de parto
Quem entende de parto é especialista

Depois mamãe, ao fazerem minha ficha
Foi perguntada qual era a minha cor
Numa brincadeirinha de faz de conta
Dessas que justificam a liberdade da gente
Ela perguntou a moça se tinha uma opção "não responder"
Se podia deixar em branco
A moça não respondeu minha mãe
E pôs no papel que eu era branca
Botou lá também: Feminino
Como assim? Só tinha duas opções
E ainda nem escolhi
Talvez meu destino estivesse mesmo traçado
E eu tenha nascido pra carregar bandeira
Por mais que ao me darem a palavra
Tivessem pensado outra coisa

Papai foi lá no cartório
Dentro mesmo do hospital
Disse que eu era Assum Preto
Pássaro oprimido, de sina triste
Cantado pelo Gonzaga
Pássaro lindo, ave esperta
A Graúna do moço Henfil
Mas de novo disseram que eu era branca
E precisava ter nome de opressor
Precisa do nome do pai
Que veio do avô... do avô do avô...
Sabe lá de onde veio esse nome
E menos ainda por onde passou
Escravocatas, apropriadores da terra... derramam sangue
Lágrimas.
Terei de ser via pra propagação da Família?
Patriarcal, brasileira, católica, gente de bem. Bens?!
Mas esses, pedra no caminho, não passarão!!!
Eu, passarinho!