Na infância era sempre advertido, “fique
longe daquele pessoal, são maconheiros”. O garoto olhava intrigado, “O que é um
maconheiro?”, perguntava, “São bandidos, vagabundos”, lhe respondiam. Seus
pais, vizinhos e amigos sempre comentavam sobre aquelas pessoas. Passou a
observar melhor aqueles homens e mulheres que estavam sempre conversando na
porta do bar, rindo alto e se divertindo. Moravam num bairro pobre, que não
chegava a ser favela, mas era bem humilde. O garoto costumava brincar na rua
com os amigos e ainda não conseguira entender porque aquelas pessoas eram tão
terríveis.
Certa vez, jogando bola com mais três
amigos, entre caneladas e tampas do dedão sangrando, a bola rolou para perto
dos tão temíveis maconheiros. Pato Rouco, o mais “malvado” de todos eles,
dominou a bola, matou na coxa, fez embaixadinha e chutou de volta, sorrindo. Os
outros elogiaram sua habilidade e ele se gabou dizendo “A bola persegue o
mestre!”. O menino já ouvira falar muito daquele sujeito. Sua mãe dizia que era
bandido, só andava com mau elemento e havia largado a escola. Mas o garoto só
via-o sorrindo e conversando na porta do bar. Estava sempre de bermuda, sandália,
sem camisa e às vezes, um cigarro de palha no canto da boca. Seu pai também fumava
cigarros de palha. Mas estava sempre tossindo, escarrando, fedendo e se tentava
parar de fumar por alguns dias, como tentou várias vezes, ficava nervoso e
brigava com todos por qualquer coisinha. Pato Rouco não era assim, fumava bem
menos e não costumava ficar nervoso.
Aliás, o garoto sabia que Maconha se
fumava, mas nunca conseguia diferenciar os cigarros. Até que um amigo o
explicou, “Quando você sentir um cheiro de mato doce queimado, pode saber que é
maconha”. Passou a ficar atento ao aroma dos cigarros que o Pato Rouco fumava. Quando
enfim o menino sentiu o tal cheiro, ficou mais intrigado ainda. Era bom, não
tinha aquele cheiro nojento dos cigarros comuns.
Começou a fazer comparações. Ás vezes
sentia-se culpado por seus pensamentos; se sua mãe soubesse o que se passava
por sua cabeça, com certeza brigaria com ele. Observava os pinguços que estavam
sempre caindo e arrumando confusões no bar. Mais de uma vez acontecia de todos estarem
em festa, cantando, dançando, e, de repente, os bêbados começavam a brigar,
rolar no chão, quebrar copos e cadeiras. Acabavam com a festa. A música parava,
os rostos ficavam sérios, o clima ficava pesado e vários iam embora. Nunca via os maconheiros brigando, pelo
contrário, costumavam tocar violão e batucar nas mesas. Jogavam truco e bebiam
bem menos do que os outros. Enquanto isso, seu pai, que também bebia pouco,
estava sempre estressado. Quando chegava do trabalho não tinha ânimo pra nada,
só reclamava das contas atrasadas e dos desperdícios. Nunca tinha tempo para
sair com a família. Já sua mãe, era amorosa e gentil , mas não saía da frente
da televisão. Assistia à TV cozinhando, passando roupa e até lendo a Bíblia.
Dava mais razão à palavra do pastor do que a qualquer outra coisa. O pastor
estava sempre bem vestido, tinha carro do ano, não bebia, não fumava e só
falava em Deus. Mas diziam as más línguas, que traía sua esposa com uma
frequentadora da igreja, Dona Angelina. Dona Angelina era a moral em pessoa.
Nunca usava roupas que mostrasse mais do que as canelas ou os braços e tinha
sempre uma bíblia ao alcance da mão. Mas se preocupava mais com a vida dos
outros do que com sua própria vida, e, diziam as más línguas, que tinha um caso
com o pastor.
À medida que o tempo foi passando, o
garoto começou a formar sua opinião. Continuava ouvindo alertas sobre os
maconheiros e a “droga do demônio”. Ficava sabendo da vida de quase todos os
vizinhos, mas nunca ouvira falar de algum roubo ou assassinato praticado pelos supostos
“bandidos e vagabundos”. Vários deles começaram a trabalhar, outros haviam se
mudado. Pato Rouco agora era pai e sempre podia ser visto passeando pelo bairro
com seu filho. Estava ensinando-o a andar de bicicleta e a tocar violão. Não
ficava mais na porta do bar com tanta frequência.
Passaram-se anos, e o garoto, apesar dos
avisos, fumou maconha em duas ocasiões, mas não gostou. Os maconheiros de sua infância
foram substituídos por outros mais novos. Vários deles eram seus amigos. Chegou
à conclusão que seus pais, na verdade, tinham medo dos maconheiros. As pessoas
costumam temer e odiar aquilo que não entendem. Seus pais e os vizinhos, todos
tinham seus defeitos, vícios e tragédias. Mas temiam a liberdade e alegria
daqueles maconheiros que não trabalhavam, não se preocupavam com os problemas
do cotidiano e nem ficavam por aí comentando a vida alheia. As pessoas
mistificam e idealizam tanto a felicidade que acabam tendo medo dela.
(Walisson
menezes)