A mulher do banco de trás falava sem parar. Reclamava dos seus problemas, contava casos sobre outras pessoas que tinham mais problemas e que, aparentemente, não sabiam disto. Ela me parecia uma espécie de bruxa, havia algo de mágico em sua sabedoria, intuía, previa as coisas, era a Senhora dos Problemas. O seus, na verdade, se resumiam a saber os dos outros, aquilo era um fardo que tinha que carregar, era algum tipo de messias. Não calava aquele falatório ao celular. Maldita bruxaria, tanto a tecnológica, quanto a intuitiva.
Eu pensava coisas como a significância da vida daquela senhora. Em certo sentido, era tão pequena quanto a minha. Mas não, não era isso. Não apenas. Era sobre algo que não diz respeito a como nos situamos no espaço, mas como ele se situa na gente. As impressões que nos deixa, o que absorvemos dele, do mundo, e quão intensa nossa vida se torna a partir disto... É claro que a vida nos consome quase por igual, a questão era: como consumimos ela.
Imaginava a velha em casa, em frente a TV, depois indo a cozinha passar um café... fiquei pensando como era sua vida enquanto estivesse sozinha, quão triste deveria ser. Na sua insignificância, não pude deixar de compará-la a objetos... Deveria ser mais feliz do que eu, pois estava mais próxima das coisas, do bule, a TV, o sofá, a almofada... tinha companhia.
O ônibus estava quase vazio, a voz ecoava sozinha, fechei os olhos e era tudo que havia. Horas de viagem no primeiro ônibus, neste seria quase mais uma. Não tinha sono, e o cansaço da estrada já não me deixava tão tolerante "aquela ladainha. Estava um chato de primeira, rabugento como um garoto de quinze anos. Não, não me lembro tão bem de ser chato assim aos quinze. Sei disto porque Salinger me lembrou, ou melhor, me atentou em o Apanhador no Campo de Centeio, já que o li quando tinha dezesseis.
Isto sim é bruxaria das boas. Como a descrição da infância do personagem de O Encontro Marcado, feita por Sabino. Não sei como estes caras conseguem voltar tanto no tempo.
(Rafael Barros)