29 de ago. de 2012

Sobre Ser Quase Assaltado Três Vezes Em Um Único Dia: Final




Leia aqui a Parte Um.


     Quando cheguei ao centro da cidade, estava elétrico. A adrenalina causada pela tentativa de assalto havia me deixado com as emoções à flor da pele. No ônibus, conversei durante todo o caminho com um senhor negro, de terno e gravata, que tentava me convencer a visitar sua igreja. Ele falava sobre as maravilhas de seu Deus e sobre sua desenvoltura para entrar em favelas e evangelizar os traficantes:
     - Um dia desses mesmo, eu entrei na Favela do Marimbondo para ir ao culto - Dizia ele - Quando assustei, o culto já havia terminado há muito tempo e eu ainda estava lá orando. Fui sair de lá uma hora da manhã. Passei no beco onde os meninos vendiam drogas e li a palavra do senhor para eles. Eles ouviram tudo o que eu tinha a dizer com o maior respeito do mundo, me agradeceram e ainda pediram para eu voltar, qualquer dia desses...
     Enquanto ele contava suas aventuras, eu ficava pensando “queria ver, você evangelizar os dois caras que tentaram roubar meu celular...”. Eu não acredito em Deus. Não no Deus cristão. Mas gosto muito de conversar com desconhecidos, e por isso, conversamos freneticamente sobre Deus, violência, drogas e várias outras coisas. Ele era legal, mas infelizmente, deve estar esperando minha visita até hoje.
     Mas, como eu estava dizendo, cheguei ao centro elétrico. Andava rápido, pensava rápido e
olhava para todos os lados, como se estivesse sendo perseguido por alguém. Até que minha ex-namorada resolve me ligar. Pensei em não atender, afinal, havíamos terminado há poucos dias e eu não tinha intenção alguma em reatar o namoro. Mas acabei atendendo o celular. Antes não tivesse atendido, pois tudo o que escutei foram ofensas e roupa suja sendo lavada. Quando dei por mim, já estava gritando e xingando ela também.
     Quando de repente, sinto uma presença ao meu lado e uma voz dizendo:
     - Ei, doidim, passa o celular agora!
     É difícil explicar o que senti naquele momento. Mas sei que a raiva que eu estava sentindo, pelas ofensas que minha ex-namorada dizia, me deixaram cego. Só me lembro de desligar o celular e ir pra cima dele gritando:
     - Comé que é, doido?! Cê sabe com quem cê tá falando? Tu vai ter que ser muito homem pra tirar esse celular de mim!
     Um turbilhão de razões para meter a mão na cara dele me assolavam. Desde sua cara de pau em tentar me roubar há vinte metros do batalhão da polícia militar, quanto a camisa do Cruzeiro que ele vestia – sou atleticano. Mas não foi preciso partir pro tapa, pois, assim que fui pra cima dele gritando, ele arregalou os olhos e foi afastando-se para trás com cara de assustado.
     - Que isso, mano, calma aê. Cê é vida loka? – disse ele, tentando argumentar.
     - Sou vida loka não, parcero, mas não pensaria duas vezes pra estourar sua cara aqui agora! – disse eu, transtornado.
     Ele continuou afastando-se ainda mais, até sair correndo para a direção contrária a que eu estava indo. Continuei meu caminho até o bar, mas não consegui conter o riso. A lembrança de seu rosto assustado fazia-me gargalhar da situação. Mais uma vez eu me reprimi por ter reagido a um assalto, mas agora era tarde para me arrepender. Se ele estivesse armado, eu estaria morto.
     Fiz todo o caminho até o bar pensando em como o corpo humano é fascinante. Em situações de perigo, o cérebro libera adrenalina para que você tome rapidamente uma das duas atitudes básicas de todo animal, frente a uma ameaça: lutar ou correr. Na primeira tentativa de assalto eu havia corrido, já na segunda, eu enfrentei meu inimigo. É claro que eu não estava orgulhoso de minha atitude, pois sabia do risco que havia corrido, afinal, se ele estivesse armado...
     Quando finalmente cheguei ao bar, meus amigos me receberam zoando meu nariz – como sempre – e segundos depois, eu já estava contando a eles tudo o que havia se passado desde que saí de casa. Não sei se eles acreditaram em mim, mas não me importo.
     Bebemos quatorze cervejas, rimos até o maxilar ficar dormente e fizemos amizade com o garçom, que, na hora de acertar a conta, nos deu um desconto de duas cervejas. Deixamos uma generosa gorjeta ao nosso novo amigo e saímos do bar em direção ao ponto de ônibus dos três, afinal, eu sou o único que mora longe. Como já disse, meu bairro é um saco, então a maioria dos meus amigos moram longe de mim, pois não frequento a minha região. Para chegar ao ponto dos meus amigos, devíamos cruzar um viaduto famoso pelo alto índice de assaltos ocorridos ali. O viaduto serve de abrigo para fumantes de crack e moradores de rua. Nada contra os moradores de rua, mas os viciados não costumam perder a oportunidade de garantir suas próximas pedras. A questão é que estávamos os três completamente chapados, então, resolvi alertá-los de que passar ali àquela hora da madrugada, não seria bom negócio.
     - Ah, que nada! Qualquer coisa você nos protege – disse um dos três, brincando.
     Como bêbado é um ser naturalmente cabeça dura, resolvi não argumentar mais, e lá fomos nós quatro atravessar o viaduto. Conversávamos sobre dezenas de coisas por minuto, estávamos alucinados. Apesar de também estar louco, estava vacinado pelas duas tentativas de assalto, então, permaneci alerta o tempo todo durante a travessia. Quando finalmente terminamos de atravessar o viaduto, descobri que a travessia não era o problema realmente, pois veio vindo pela parte de baixo do viaduto uma figura de estatura média e sobretudo (?). Por ser o mais atento naquele momento, fui o único a perceber sua aproximação. Os três estavam distraídos debatendo sobre para qual dos três, a menina da mesa ao lado da nossa estava olhando. O figura de sobretudo – nunca tinha visto um viciado brasileiro de sobretudo – nos alcançou bem na saída do viaduto, onde se inicia sua elevação.
     - Vocês quatro aí, bico calado, vão passando os celular... – disse ele, falando baixo.
     Meus três amigo olharam para ele como a mesma cara assustada que a do cruzeirense que havia tentado roubar meu celular, horas atrás. Em frações de segundo observei o ladrão dos pés a cabeça. Não parecia perigoso, não tinha o mesmo estilo que os outros viciados dali. Não consegui esperar ele terminar de falar, fui para cima dele:
     - Cê só pode tá me zoando, neh, mermão! De novo não! – gritei, na vã esperança de que ele entendesse como eu me sentia injustiçado por ter sido vítima de assalto três vezes no mesmo dia.
     Meus amigos também me olharam assustados, mas segundos depois, já estavam raciocinando melhor e cercando o indivíduo. Ele foi ficando tenso e acuado, murmurando “Que isso, calma aê, calma...” e outras coisas as quais não dei muita atenção, pois já estava o peitando. Vendo que não teria chance contra nós quatro, ele acabou encontrando uma brecha entre nós e saiu correndo, descendo a rua por onde tinha vindo.
     Instantes após o cara correr, meus amigos se refizeram da tensão e começaram a me saldar e a comentar a cara de susto do mano de sobretudo. Quando me dei conta já estávamos rindo e fazendo chacota da situação.
     - Agora a gente te entende, cara... – Disse um dos meus amigos. Os outros concordaram.
     - Pra quem nunca foi assaltado, até que você acertou a boa hoje, hein! - Diziam.
     Sentindo-me um sobrevivente, cheguei a uma conclusão, depois de tudo o que aconteceu: o crime realmente não compensa, há muita concorrência hoje em dia.




(Walisson menezes)