12 de mar. de 2012

Peregrinação Mourisca à Irlanda - Hakim Bey

Peregrinação Mourisca à Irlanda
Hakim Bey


Eu pedi aos meus amigos Gordon Campbell e John Stephenson para encontrar uma comemoração do Beltaine (primeiro dia de maio) para irmos. Mas as velhas festividades celtas não são mais amplamente celebradas (embora mais tarde eu tenha descoberto por Barbara O’Flynn, do Departamento de Folclore da Universidade College em Dublin, que fogueiras e arbustos de maio ainda estão para ser vistas em Sligo). John descobriu que alguns entusiastas da Cristandade Celta vivendo nas Ilhas de Aran, liderados por um certo Pe. Dara Molloy, teriam uma grande fogueira, então rumamos de Dublin para o Oeste no dia 30 de abril. Com Gordon dirigindo enlouquecidamente, pelo fim da tarde nós estávamos no Condado de Galway em tempo para ostras e Guinness no Moran’s no The Weir, um famoso pub antigo. No dia seguinte estávamos em Inis Mhór¹, a principal ilha de Aran, e visitamos o impressionante “forte” megalítico Dún Aengus². Em cada sítio megalítico nós fumávamos alguns cachimbos, e assim éramos capazes de interpretar tudo ao modo M.O.C.³. Aquela noite nós caminhamos até o QG do “culto”, uma velha casa de fazenda, e tomamos parte no ritual. O Pe. Dara se mostrou uma espécie muito interessante de herege, que nos disse que “Roma é o inimigo!” e nos falou de sua amizade com Ivan Illich. O tempo estava surpreendente (de fato, durante toda a viagem) e a fogueira foi agradável. Dara nos deu cópias do seu excelente zine, Aisling.
Na manhã seguinte pegamos a balsa para Connemara, a região de língua gaélica de Galway, e o vilarejo de Carraroe, para encontrar Bob Quinn, autor e cinegrafista de Atlantean: Ireland North African and Maritime Heritage. Bob e sua companheira, Miriam, nos deram calorosas boas vindas, mesmo que estivessem se recuperando de uma grande conferência na televisão de língua gaélica, acompanhada de muita bebida, e dança e música tradicionais. Bob me contou sobre sua última pesquisa (sobre a tradição “druida” dos carvalhos) e me deu outros materiais interessantes sobre ligações hiberno-orientais. Numa explosão de entusiasmo nós decidimos fundar uma sociedade cultural devotada à pesquisa Hiberno-oriental (em especial o Marrocos), que se chamará Sociedade Atlante. Esperamos sediar uma conferência em Carraroe por volta de maio do próximo ano, se possível. Estou trabalhando em um jornal preliminar e disponibilizarei a todos os leitores dos veículos de mídia o mais rápido possível. Esta pode muito bem se tornar a coisa mais valiosa que eu consegui na Irlanda, e eu estou extremamente animado em relação a isso.

Naquela tarde nos fomos para o sul pela fascinante cidadezinha de Galway, que possui muitas conexões espanholas e mouras (como o famoso anel de Claddagh, originalmente um design mouro trazido por um ourives de nome Joyce que havia sido capturado por piratas bárbaros), depois para o Condado de Clare (a terra ancestral de John Stephens) e Burren, uma região estéril rica em sítios neolíticos. Seguindo uma sugestão de Bob Quinn, paramos para ver o Dolmen de Poulnabrone, um dos mais impressionantes.
No começo da noite chegamos ao Condado de Cork (minha própria terra ancestral) e ao vilarejo de Doneraile, onde Jim e Fran, amigos de Gordon, alugaram uma mansão gregoriana com uma torre quadrada Anglo-normanda chamada Castle Saffron. Incrivelmente linda! O terreno inclui um forte da Idade do Ferro tomado de jacintos, que nós investigamos (o aluguel de tudo isso é menor do que o de um pequeno apartamento em Nova York). Jim é um micólogo e nos falou sobre “cogumelos mágicos” nativos, chamados Chapéu de Liberdade4.
No dia seguinte – acompanhados de Julie, a esposa de Gordon – estávamos em Kerry – vimos as Tetas de Anu (a Deusa Mãe), duas montanhas em forma de seios com “mamas” megalíticas nos cumes – e então visitamos Staigue – uma residência megalítica, ou da Idade do Ferro, de grande beleza; e então continuamos até a vila de Gordon, Ballinskellig, na magnífica costa de Kerry, onde ele espera construir uma pirâmide de pedra (se a comissão de planejamento permitir tal heresia!). Demos entrada em um estranho hotel gerenciado por estranhos ex-monges e passamos o fim da tarde bebendo com um velho shanachie5, Mick Murphy, que nos disse que os Chapéus da Liberdade não são importações recentes, mas que eram conhecidos pelos druidas (isso explicaria muita coisa). Quando eu contei a Murphy sobre a dificuldade que experimentei tentando traçar a origem de meu avô, Patrick Rion, ele veio com uma fala memorável: “Muitos são os homens que tiveram que mudar o nome quando se foram de seu país!”.
As Ilhas Skellig, ou ainda Skellig Michael (este é S. Miguel Arcanjo, que gosta de grandes ilhas e colinas pontudas), foram uma vez o lar de uma comunidade monástica da Igreja Celta; suas cabanas de apiários, capelas e tumbas ainda existem. Mesmo com a presença de turistas (nós nos considerávamos peregrinos), a visita foi profundamente tocante – e exaustiva o suficiente para contar como penitência! Então nos recompensamos com uma refeição espetacular (frutos do mar frescos e cordeiro novo das montanhas de Kerry) e uma visita a outro velho shanachie de Ballinskellig, o bardo Michael Kirby... uma visita muito curta,  quando estávamos no meio de 18 fascinantes assuntos folclóricos, tivemos de partir. Kirby nos disse, por exemplo, que os Tuatha dé Dannan6 literalmente desapareceram debaixo da terra quando os celtas chegaram, não apenas nos montes megalíticos, mas também em extensos túneis (estilo Viet Cong). Mais tarde em Knowth no vale de Boyne, nós vimos os tais túneis, embora eles datassem do séc. IX d.C. e fossem supostamente usados por cristãos se escondendo dos vikings.
Nossa visita ao Brugh Na Boinne – Knowth, Dowth e Newgrange – foi o auge das nossa peregrinações megalíticas. Com uma grande dose de boa sorte, John Stephenson conseguiu achar um artista/arqueólogo, John Aboud (sim, um oriental) que havia trabalhado em Knowth por 10 anos, para nos guiar em uma visita pelo sítio, que estava fechado ao público. Impressionante! As palavras me faltam! Melhor que tudo, uma hora na câmara central leste, contemplando os ossos dos Tuatha De Dannan! Aboud acredita que Knowth era um centro para festividades comunais, enquanto Newgrange era a universidade “Druida” secreta (Claro que estamos falando de 5000 a.C. aqui, muito antes dos celtas e dos druidas em si). Mas Newgrange foi, infelizmente, “restaurado” e aberto ao público. Muito de sua aura foi dissipada pelo turismo, sem falar no trabalho de restauração, que é bem pouco convincente.
O resto da viagem foi gasto em Dublin, visitando velhas mansões gregorianas (incluindo a de John Aboud), visitando livrarias e gastando todo meu dinheiro, e passando o tempo na Bewley’s Oriental Coffe Shop, na rua Grafton, o centro boêmio de Dublin. Em edições futuras eu espero descrever os planos de John Stephenson para uma imensa celebração do milênio na Irlanda em 2000 d.C. (muito similar ao projeto Jubileu, mas neste caso, apoiado pelo Ministério Irlandês para as Artes, que parece ter caído em mãos anarquistas!). Ainda, tão logo a Sociedade Atlante seja lançada formalmente eu enviarei programas para os veículos de mídia e esperarei por muitos membros. A Igreja está para um grande começo na Irlanda e os próximos dez anos (pelo menos) prometem ser realmente mágicos.



1.       1. N.T. pronunciado aproximadamente como Inish Múr, literalmente “Grande Ilha”, em gaélico irlandês.
2.       2.  N.T. “Forte de Aengus”; Aengus, ou Óengus, é o deus celta do amor.
3.       3. N.T. sigla em inglês para Igreja Ortodoxa Moura, um movimento religioso sincretista.
4.       4. N.T. Psilocybe semilanceata.
5.       5. N.T. um cronista/contador de histórias tradicional da Irlanda.
6.       6.N.T. lit. “povo da deusa Danu”, pronunciado aproximadamente como túaha dei dánan.