5 de fev. de 2014

Fundação de Ensino elabora questão racista e elitista em processo seletivo

Dia 19 de janeiro a FUNEC aplicou as provas do Processo Seletivo Simplificado da Prefeitura de Contagem-MG Ed.02/2013. Em uma delas, que abrangia quatro cargos, dentre eles o de instrutor de atividades culturais e educativas, cargo que concorri, havia uma questão que pedia para analisarmos três proposições acerca de uma imagem. Uma das afirmativas, que foi considerada correta pelos elaboradores da prova, se sustenta em preconceitos raciais e culturais. Entendo que o mínimo a ser feito, pela instituição, seria anular a questão, mas não o suficiente. Estas situações discriminatórias, corriqueiras, precisam ser reparadas para causarem mais transtornos às suas vítimas do que já causaram, e para que o debate atinja à sociedade. A fundação e a prefeitura precisam se posicionar publicamente sobre o assunto. Entendi ser melhor protocolar um recurso, antes de vir a público, contra a questão da prova, para que a instituição tivesse também como sua defesa este instrumento. Quem sabe não teria sido um erro técnico? Ou mesmo, reconhecessem, de alguma forma, o problema. Segue a argumentação que utilizei no processo:


“O gabarito informa que a resposta para a questão '19', que pede para analisarmos as proposições acerca da imagem anexada (uma modelo comendo um sanduíche com guimbas de cigarro), é a letra "A", que caracteriza como verdadeiras as afirmações I, 'Pode-se afirmar que a escolha da personagem contribui par a adesão do público', e III, 'A imagem tem o efeito de chocar o público ao unir o consumo de alimentos ao do cigarro'. Mas a afirmação I, de que a escolha da personagem contribui para a adesão do público, é equivocada. Dado que a personagem, tampouco a modelo, não é famosa, ela não pode contribuir para a adesão do publico, a menos que este público seja etnocêntrico, racista e/ou elitista – pois as únicas informações, que existem na imagem sobre a personagem, são de que é uma mulher 'branca', de 'traços europeus' e cabelos claros; rica, o que se revela pelas joias que usa; magra; e que está maquiada. Por que motivo alguém serviria para aderir um público, se não fosse por ser modelo (ser bom exemplo) àquele público?! Ser 'branca', rica, magra ou usar maquiagem não é exemplo (modelo) para as pessoas, ou, pelo menos, não deveria ser. Para que tais características sejam expostas como exemplo – atrativas, causadoras de boa impressão – é preciso considerar que outras características, diferentes destas, estejam abaixo em alguma escala qualitativa. Quais características (quais outros personagens) seriam piores (menos "atrativos", com menos capacidade de captar adesão) do que as da personagem escolhida?! 

Afirmar que a questão I é verdadeira, não é só um equívoco, já que, por mais que possam haver pessoas que concordem com tal afirmação, elas não resumem todo 'o público', mas um ato discriminatório, a corroboração do racismo, do desprezo pelo pobre (ou, se preferirem, da superestimação do rico) e do desrespeito à diversidade.”

Ontem, a resposta ao recurso foi divulgada no site da FUNEC: indeferido. Fui até a fundação para saber o motivo da decisão. O edital garantia que a resposta objetiva aos recursos poderiam ser consultadas, de maneira individualizada, após a divulgação oficial do deferimento ou não deles. Porém não consegui a resposta ao meu pedido, aguardei por mais de uma hora. Num primeiro momento, esperei cerca de 15 minutos até ser atendido por um professor, Jorge, que me levou três respostas (nenhuma delas anexadas ao meu pedido, ou a qualquer outro protocolo) ao indeferimento da questão 19. Como consta no julgamento dos recursos contra as questões, que publicaram, haviam mesmo três pedidos protocolados contra esta questão, imaginei que um dos três fosse o meu. Um, pude identificar, que era relativo a um dos recursos, já que se tratava das questões 19 e 20, pois um dos três candidatos que entraram com este pedido de análise, protocolou exatamente contra estas duas. As outras duas respostas eram iguais e não respondiam aos argumentos que apresentei, tratavam de um reclame quanto a falta de contextualização da imagem e se dirigiam a mensagem proposta pelo comercial, não tratavam sobre discriminação ou sobre a capacidade de produzir adesão da personagem. O professor também não sabia identificar para mim qual das respostas se referiam as minhas questões, disse que havia acontecido algum problema e precisaria ir à sala de uma outra professora, para encontrarem a resposta, e isto demoraria algum tempo, pediu que eu esperasse pois o acesso era restrito. Perguntei se meia hora era o suficiente, para que eu desse uma volta enquanto isto, me confirmou que sim, que em meia hora, no máximo, me responderia.

Retornei após os trinta minutos recomendados, o professor Jorge estava discutindo o assunto com outro funcionário, Carlos, que trabalha no departamento de recursos. Ao perceberem minha presença, se retiraram para outro local e continuaram numa reunião, discutiam exatamente sobre o meu reclame junto com uma outra funcionária. Após uma espera longa, pedi para um outro funcionário os interromper, pois faziam com que eu esperasse demais, sem que dessem nenhum retorno. Precisava ir embora. Ainda sim, demorou alguns minutos até que os dois, o professor e o Carlos, viessem me informar sobre o que haviam discutido. Carlos disse que consultou o setor jurídico da fundação e que o tratamento que haviam me dado no início estava errado, que não poderia ser feita uma consulta individualmente, como se tivessem me dado algum privilégio por isto, que o resultado sairia coletivamente. Eu o reclamei que não era isto que constava no edital, que o resultado, a “resposta objetiva”, estava previsto para aquele dia e, de todo modo, não havia sido publicada no site ou em qualquer outro meio para uma consulta coletiva. Ele insistiu sobre a publicação do indeferimento, que a resposta “indeferido” já estava no site, como se esta fosse a única informação que teriam que prestar. Discutimos e, por fim, ficaram de me enviar por e-mail a resposta. Pedi pra que me emitissem algum documento que informasse que não possuíam a resposta para o meu questionamento, que gostaria de alguma confirmação de que estive ali naquele dia e horário atrás da justificativa, mas que não poderiam me dá-la, como informou. Foi verificar com alguém, na volta: me disse que eu precisaria protocolar na portaria um pedido com a resposta que eu solicitava. Era isso! Teve um insight. O que teria que ser feito era isto, eu não teria que pedir nenhuma reposta diretamente lá, por mais que o edital informasse que estaria disponível para consulta individual naquele dia. Deveria protocolar o pedido na portaria para que preparassem o documento.

Gostaria que a FUNEC tivesse reconhecido o erro e publicado alguma nota se desculpando. O reconhecimento da discriminação é um passo adiante no combate ao preconceito. Tanto por ser sinal de que foi feita uma reflexão neste sentido, assumindo o problema, e servindo de lição aqueles que negam a discriminação que praticam, quanto por, ao expor, provocar o debate. O fato se torna mais grave por se tratar de uma questão elaborada por uma instituição de ensino, para selecionar funcionários para trabalhar com atividades educativas, que visam promover a sociabilidade e o respeito à cidadania, como a própria fundação informa na oferta do cargo.

Enviei, nesta madrugada, um e-mail para a assessora de imprensa, mas até o momento não obtive nenhum retorno.