19 de dez. de 2012

Manual Prático da Mendicância - Walisson Menezes






     Quem costuma frequentar o centro de Belo Horizonte, seja durante o dia trabalhando e resolvendo coisas, ou a noite procurando algo com o que se entreter, já deve estar acostumado com a “Mendicância”. A palavra assusta um pouco. Nos dicionários é classificada como “Pedir por esmola”, “Pedir com humildade”. Mas seus significados nem de longe definem o que ela realmente significa pra quem pede e muito menos os seus reais motivos. O fato é que essa prática tem aumentado muito de alguns anos para cá, assim como tem aumentado o número de moradores de rua, e não é minha intenção destrinchar aqui os causadores desse aumento, e muito menos fazer julgamentos sobre ser certo ou errado dar esmolas. Como encantado observador da vida, prefiro simplesmente me entreter com os artifícios usados pelos pedintes para convencer os outros de que são merecedores de seu dinheiro.
     Não gostaria também de julgar a veracidade das histórias que cada pedinte conta. Enquanto uns lhe contarão a verdade, outros mentirão descaradamente para conseguir o que querem. Isso é normal, todo ser humano mente ou é sincero, dependendo da situação. Sinto necessidade de explicar isso, pois a maioria das pessoas conscientes da injustiça social em que vivemos, intelectuais e defensores dos oprimidos, costumam acreditar no mito do “Bom Selvagem” e relacioná-lo aos excluídos em geral. Ou seja, é como se nas favelas, nas ruas e embaixo dos viadutos só existissem pessoas de bom coração. Como se os pobres fossem santos e os ricos demônios. Não acredito nisso. Primeiro por que não existem santos e demônios, segundo porque há pessoas sem caráter tanto na rica Dinamarca, quanto na África.
     Se o ato de vender é considerado quase uma arte, o ato de pedir esmola também o deveria ser. Assim como um vendedor tem de induzir o cliente a comprar o produto, o pedinte também deve seduzir quem aborda, sobre a veracidade de sua necessidade de dinheiro. Alguns preferem apelar para o lado emocional. Contam histórias trágicas, dizem ter mulher e filhos passando fome embaixo de algum viaduto. Se dizem doentes e necessitados de remédios caríssimos. Uma minoria está realmente falando a verdade, é claro. Mas esse apelo emocional não me interessa nem um pouco. É mais velho do que o próprio dinheiro. Os que me interessam realmente, são os mais originais, que contam histórias mirabolantes e fantasiosas para conseguir a sua confiança. Esses sim são os verdadeiros artistas.
     Um dos que mais me chamou a atenção, foi um indivíduo que costuma ficar na região do Santa Tereza. Ele tem a voz mansa e o olhar tímido. Daria a ele uns trinta anos de idade. Na primeira vez que o vi, estava eu saindo do bar às seis horas de uma manhã de domingo, quando percebi ele se aproximando:

     - Bom dia, senhor. Desculpe incomoda-lo, mas é que eu sou pedreiro e estava trabalhando com minha equipe ontem aqui no Santa Tereza. Viemos no carro do mestre de obras, mas na hora de ir embora eles acabaram me esquecendo aqui. Como não trouxe dinheiro, estou pedindo uma ajudinha para poder voltar para casa.
     Enquanto falava, ele começou a engasgar a voz, como se estivesse quase chorando e continuou:
    - Já estou desesperado, senhor, minha família deve estar em casa preocupada comigo. Não aguento mais ficar aqui nesse bairro de gente rica.
    Segurei o riso, na hora do “bairro de gente rica” e olhei para seus pés. Estava de chinelo e tinha os pés esbranquiçados como se realmente estivesse trabalhando com cimento. Disse a ele a verdade:
     - Pô, irmão, foi mal aí mas to sem um puto no bolso. Tava no bar e paguei no débito. Não vou poder te ajudar.
     Ele insistiu na história mais um pouco, e eu insisti na minha também. Até que agradeceu e se foi. Por volta de três semanas depois, eu me encontrava no mesmo lugar, também saindo do bar, quando esse mesmo cara me abordou novamente. Contando a mesma história e novamente com os pés brancos de pó. Dessa vez eu tinha dinheiro, mas não conseguir segurar o riso.
     - Que isso, velho, até hoje você não conseguiu dinheiro pra voltar pra casa? Toma aqui um trocado, porque sua família já deve estar achando que você morreu.
     Ele também não resistiu e caiu na gargalhada. Rimos juntos por alguns segundos, lhe entreguei o dinheiro e ele foi embora. Agora, sempre que ele me vê por aquela região, me cumprimenta e sempre que posso, dou a ele algum trocado.
     Outro pedinte que me chamou a atenção, foi um negro de quase dois metros, longos cabelos bem cuidados e voz afeminada. Uma figura incrível, que chama a atenção já na aparência e mais ainda pela história que conta. Dessa vez eu estava no ponto de ônibus no centro, às duas da madrugada, quando ele apareceu.
     - Boa noite, rapaz. Pode ficar tranquilo, não sou bandido. Só queria um minutinho de sua atenção. É que eu sou cabeleireiro e estava num congresso de beleza aqui em BH até agora há pouco. Sou de Pedro Leopoldo e viemos de Van. Infelizmente eu perdi a Van, e agora estou pedindo um trocado para poder voltar pra casa. Você poderia me ajudar?
    Pensei comigo que ele realmente tinha aparência de cabeleireiro. Mas como sempre, eu estava sem dinheiro. Ele me agradeceu e foi em direção ao bar próximo ao ponto onde eu estava, abordar mais pessoas. Cerca de dois meses depois, eu estava com minha namorada, próximo ao Edifício Maletta, quando ele se aproximou contando a mesma história. Minha namorada ouviu a tudo atenta e muito educadamente, enquanto eu novamente segurava o riso – não ia rir na cara de um guarda roupas daquele tamanho. Mas não pude deixar de comentar:
     - Poxa vida, BH tem se tornado um polo dos congressos de beleza, hein?! Bacana isso.  - Ele me olhou intrigado e minha namorada também. Continuei -  E você deveria ficar mais atento ao horário que sua Van volta pra Pedro Leopoldo, porque mês passado aconteceu a mesma coisa, neh?!
     Minha namorada, que havia apertado meu braço antes, como se quisesse dizer “não seja mal educado, ele deve estar falando a verdade” agora ria incontrolavelmente. Ele se foi nervoso, dizendo não saber do que eu estava falando. E nós ficamos lá, encantados com a inventividade desse pessoal.
     Não adianta ficar nervosinho com alguém te pedindo dinheiro a cada trinta metros e muito menos ignorar o problema. Se você para por alguns instantes na região central, provavelmente isso irá acontecer. É muito mais interessante ouvir as histórias e trocar uma ideia. Afinal, se você não quiser ou tiver dinheiro para dar, conversando você estará dando atenção e recebendo experiências de vida, que verídicas ou não, são um entretenimento tão bom quanto este texto que você acaba de ler. Ou não.