Quem costuma frequentar o centro de Belo
Horizonte, seja durante o dia trabalhando e resolvendo coisas, ou a noite
procurando algo com o que se entreter, já deve estar acostumado com a
“Mendicância”. A palavra assusta um pouco. Nos dicionários é classificada como
“Pedir por esmola”, “Pedir com humildade”. Mas seus significados nem de longe
definem o que ela realmente significa pra quem pede e muito menos os seus reais
motivos. O fato é que essa prática tem aumentado muito de alguns anos para cá, assim
como tem aumentado o número de moradores de rua, e não é minha intenção
destrinchar aqui os causadores desse aumento, e muito menos fazer julgamentos
sobre ser certo ou errado dar esmolas. Como encantado observador da vida,
prefiro simplesmente me entreter com os artifícios usados pelos pedintes para
convencer os outros de que são merecedores de seu dinheiro.
Não gostaria também de julgar a veracidade
das histórias que cada pedinte conta. Enquanto uns lhe contarão a verdade,
outros mentirão descaradamente para conseguir o que querem. Isso é normal, todo
ser humano mente ou é sincero, dependendo da situação. Sinto necessidade de
explicar isso, pois a maioria das pessoas conscientes da injustiça social em
que vivemos, intelectuais e defensores dos oprimidos, costumam acreditar no
mito do “Bom Selvagem” e relacioná-lo aos excluídos em geral. Ou seja, é como
se nas favelas, nas ruas e embaixo dos viadutos só existissem pessoas de bom
coração. Como se os pobres fossem santos e os ricos demônios. Não acredito
nisso. Primeiro por que não existem santos e demônios, segundo porque há
pessoas sem caráter tanto na rica Dinamarca, quanto na África.
Se o ato de vender é considerado quase uma
arte, o ato de pedir esmola também o deveria ser. Assim como um vendedor tem de
induzir o cliente a comprar o produto, o pedinte também deve seduzir quem
aborda, sobre a veracidade de sua necessidade de dinheiro. Alguns preferem
apelar para o lado emocional. Contam histórias trágicas, dizem ter mulher e
filhos passando fome embaixo de algum viaduto. Se dizem doentes e necessitados
de remédios caríssimos. Uma minoria está realmente falando a verdade, é claro.
Mas esse apelo emocional não me interessa nem um pouco. É mais velho do que o
próprio dinheiro. Os que me interessam realmente, são os mais originais, que
contam histórias mirabolantes e fantasiosas para conseguir a sua confiança.
Esses sim são os verdadeiros artistas.
Um dos que mais me chamou a atenção, foi
um indivíduo que costuma ficar na região do Santa Tereza. Ele tem a voz mansa e
o olhar tímido. Daria a ele uns trinta anos de idade. Na primeira vez que o vi,
estava eu saindo do bar às seis horas de uma manhã de domingo, quando percebi
ele se aproximando:
- Bom dia, senhor. Desculpe incomoda-lo,
mas é que eu sou pedreiro e estava trabalhando com minha equipe ontem aqui no
Santa Tereza. Viemos no carro do mestre de obras, mas na hora de ir embora eles
acabaram me esquecendo aqui. Como não trouxe dinheiro, estou pedindo uma
ajudinha para poder voltar para casa.
Enquanto falava, ele começou a engasgar a
voz, como se estivesse quase chorando e continuou:
- Já estou desesperado, senhor, minha
família deve estar em casa preocupada comigo. Não aguento mais ficar aqui nesse
bairro de gente rica.
Segurei o riso, na hora do “bairro de gente
rica” e olhei para seus pés. Estava de chinelo e tinha os pés esbranquiçados
como se realmente estivesse trabalhando com cimento. Disse a ele a verdade:
- Pô, irmão, foi mal aí mas to sem um puto
no bolso. Tava no bar e paguei no débito. Não vou poder te ajudar.
Ele insistiu na história mais um pouco, e
eu insisti na minha também. Até que agradeceu e se foi. Por volta de três
semanas depois, eu me encontrava no mesmo lugar, também saindo do bar, quando
esse mesmo cara me abordou novamente. Contando a mesma história e novamente com
os pés brancos de pó. Dessa vez eu tinha dinheiro, mas não conseguir segurar o
riso.
- Que isso, velho, até hoje você não
conseguiu dinheiro pra voltar pra casa? Toma aqui um trocado, porque sua
família já deve estar achando que você morreu.
Ele também não resistiu e caiu na
gargalhada. Rimos juntos por alguns segundos, lhe entreguei o dinheiro e ele
foi embora. Agora, sempre que ele me vê por aquela região, me cumprimenta e
sempre que posso, dou a ele algum trocado.
Outro pedinte que me chamou a atenção, foi
um negro de quase dois metros, longos cabelos bem cuidados e voz afeminada. Uma
figura incrível, que chama a atenção já na aparência e mais ainda pela história
que conta. Dessa vez eu estava no ponto de ônibus no centro, às duas da
madrugada, quando ele apareceu.
- Boa noite, rapaz. Pode ficar tranquilo,
não sou bandido. Só queria um minutinho de sua atenção. É que eu sou
cabeleireiro e estava num congresso de beleza aqui em BH até agora há pouco.
Sou de Pedro Leopoldo e viemos de Van. Infelizmente eu perdi a Van, e agora
estou pedindo um trocado para poder voltar pra casa. Você poderia me ajudar?
Pensei comigo que ele realmente tinha aparência
de cabeleireiro. Mas como sempre, eu estava sem dinheiro. Ele me agradeceu e
foi em direção ao bar próximo ao ponto onde eu estava, abordar mais pessoas.
Cerca de dois meses depois, eu estava com minha namorada, próximo ao Edifício Maletta,
quando ele se aproximou contando a mesma história. Minha namorada ouviu a tudo
atenta e muito educadamente, enquanto eu novamente segurava o riso – não ia rir
na cara de um guarda roupas daquele tamanho. Mas não pude deixar de comentar:
- Poxa vida, BH tem se tornado um polo dos
congressos de beleza, hein?! Bacana isso. - Ele me olhou intrigado e minha namorada
também. Continuei - E você deveria ficar
mais atento ao horário que sua Van volta pra Pedro Leopoldo, porque mês passado
aconteceu a mesma coisa, neh?!
Minha namorada, que havia apertado meu
braço antes, como se quisesse dizer “não seja mal educado, ele deve estar
falando a verdade” agora ria incontrolavelmente. Ele se foi nervoso, dizendo
não saber do que eu estava falando. E nós ficamos lá, encantados com a
inventividade desse pessoal.
Não adianta ficar nervosinho com alguém te
pedindo dinheiro a cada trinta metros e muito menos ignorar o problema. Se você
para por alguns instantes na região central, provavelmente isso irá acontecer. É
muito mais interessante ouvir as histórias e trocar uma ideia. Afinal, se você
não quiser ou tiver dinheiro para dar, conversando você estará dando atenção e
recebendo experiências de vida, que verídicas ou não, são um entretenimento tão
bom quanto este texto que você acaba de ler. Ou não.