- Aí, Doidinho, perdeu! Passa o celular! Rápido! – Disse ele descendo da
moto e colocando a mão por debaixo do moletom para demonstrar que estava
armado.
Dei dois passos para trás e mantive distância...
Antes de prosseguir com a narrativa, talvez seja interessante abrir um ou
dois parágrafos para situar melhor o leitor:
Meu nome é Marcelo. Não sou um
cara bonito, não tenho muito dinheiro, não uso tênis ou roupas de marca. Sou de
aparência bastante discreta. Não tenho algum defeito que chame muito a atenção
e também não possuo nenhum atributo físico digno de alguma admiração. Sou um
cara bastante comum, de classe baixa, estatura média e aparento ter a idade que
realmente tenho: 23 anos. Definitivamente, não sou o tipo de pessoa que seria
notado em uma multidão. Não uso roupas, calçados e acessórios caros, por
simples opção pessoal. Nada contra quem usa. Apenas acho que meu dinheiro pode
encontrar destinos mais importantes e racionais para meu benefício e satisfação
pessoais. Digo tudo isto apenas a título de contextualização. O que faço ou
deixo de fazer com meu dinheiro não é da conta de ninguém.
Todo ladrão que se preze, assim como um escritor,
deve ser um bom observador. O cidadão que tem
boas condições financeiras, compra roupas, calçados e acessórios de marca, por
um simples motivo: respeito. Ter uma boa aparência faz as outras pessoas te
respeitarem, dar-lhe credibilidade e admiração. Todos esses benefícios lhe
proporcionam bem estar, satisfação e a sensação confortável de que, todos os
seus defeitos, dúvidas e insegurança são encobertos por todos esses caros
acessórios. Um bom ladrão está sempre atento à sua aparência pelo fato, óbvio,
de que se você está bem vestido, é porque você tem condições de comprar todos
esses adereços que lhe conferem uma boa aparência. Logo, sua carteira
provavelmente estará recheada, seu celular deve ser novo e caro, e seu calçado
também.
Tendo tudo isso em mente, e sabendo da simplicidade e pobreza de minha
apresentação pessoal, fiquei intrigado com as três tentativas de assalto que
vivi em apenas um dia.
Saí de casa ás vinte e duas horas de sábado, em direção ao centro da
cidade para tomar umas cervejas. Moro num bairro pacato, religioso e com poucos
bares e opções de balada, por isso, as ruas já estavam praticamente desertas,
tão cedo. Andava tranquilo, em direção ao ponto de ônibus, quando resolvi ligar
para um dos amigos que eu iria encontrar no centro, para avisar que me
atrasaria um pouco. Durante a conversa com meu amigo, apressada para não gastar
muitos créditos do celular, vi que uma moto, com dois ocupantes fez meia volta,
dez metros á frente, e veio em minha direção.
- Aí, Doidinho, perdeu! Passa o celular! Rápido! – Disse o carona,
descendo da moto e colocando a mão por debaixo do moletom para demonstrar que
estava armado.
Dei dois passos para trás e mantive distância. Precisava pensar rápido.
Ele veio se aproximando de mim e eu continuava com o celular colado á
orelha. De repente, ele avançou no celular, mas fui mais rápido do que ele e me
esquivei, fazendo-o alcançar apenas o ar e desequilibrar-se um pouco. Diante de
seu desequilíbrio, tive tempo para dar mais alguns passos para trás. Também
tive tempo para reparar que a mão dele, que estava por baixo do moletom, não
estava armada. Ele estava segurando uma carteira colada à cintura pelo elástico
da calça, da mesma forma que seguraria um revólver, justamente para que eu
pensasse que fosse tal coisa. Perdi a paciência e chutei o balde:
- Vai tomar no cu, seus otário! – disse eu, já me virando para correr,
afinal, apesar de não estarem armados, dois contra um nunca é um bom negócio.
Corri uns cinco metros, com o celular ainda na mão e me virei para ver
se eles viriam atrás de mim. Mas não. O cara que tinha me enquadrado estava
subindo na garupa da motocicleta e o piloto já acelerava para a fuga do assalto
mal sucedido. Percebendo minha situação confortável ainda gritei:
- Cês acharam que iam me roubar aqui na minha quebrada, seus arrombado?!
Enquanto eu gritava eles desapareciam em velocidade dentro da noite. É
claro que foi muito fácil gritar esse tipo de coisa, vendo que os dois já estavam
dando meia volta com a moto. Mas fiquei meio preocupado, pois eles poderiam
voltar para me pegar durante o caminho até o ponto. Fiz todo o percurso atento
feito um gato. Quando enfim cheguei ao ponto de ônibus, ainda ria daquela
situação. Tinha plena consciência do risco que tinha corrido ao resistir a um
assalto, blá blá blá e toda aquela baboseira que dizem sempre por aí, mas ao
mesmo tempo, me sentia bem por ter percebido o blefe do ladrão e conseguir sair
ileso à situação.
Quando cheguei ao centro da cidade...
Continua...
(Walisson Menezes)