17 de ago. de 2012

Fábrica de Sapatos

_Patricia, depois cê aparece na minha sala que preciso olhar com cê um negócio. É a nona paciente que aparece com problema de infecção urinária. A gente tem que descobrir porque que tá acontecendo isto.

_Olha Marcelo, já fiz um levantamento das outras e são todas da fábrica, ia até te falar.

_A gente precisa ir lá, ver o que tá acontecendo então, dar uma inspecionada. Passa na minha sala quando terminar aí.

Depois do trabalho, Marcelo foi com aquilo na cabeça embora pra casa. Havia conversado com a Patrícia e também com a secretaria de saúde e decidiram ligar para a fábrica e avisar que iria lá fazer uma verificação, por causa dum surto de uma doença que estava acontecendo. No telefone disse lhes que não precisava preocupar, que era algo que estava acontecendo na cidade inteira, só precisava ir lá conversar com algumas trabalhadoras, já que o horário de funcionamento do posto era no mesmo horário da fábrica e, dificilmente as veria por lá, precisava ver se havia indícios entre elas também. Mas não especificou qual era o problema, embora tivessem lhe perguntado, desconversou e balbuciou algo sobre virose. Combinou com o representante da empresa que passaria lá, mas só puderam lhe permitir que fosse na terça da semana seguinte.

Ficou ansioso e encasquetado, tinha certeza que era algo na fábrica. Temeu qual poderia ser a interferências dos chefes sobre os funcionários já que, pelo longo prazo que lhe deram, pareciam querer se preparar. Esconder alguma coisa que houvesse lá, mandassem os funcionários mentir sobre algum procedimento que fizessem lá, sob ameaças. Deveria ter esperado alguma outra mulher aparecer em alguma unidade de saúde, para interrogarem-na lá. Mas não dava, era um problema sério, que devia ser resolvido o quanto antes, poderia demorar um tempo até chegar uma nova paciente e poderia, nesse tempo, alguma dessas mulheres desenvolverem um problema pior.

Chegada a terça, Marcelo se levantou e aprontou como sempre fazia, mas enrolou uns 15 minutos para chegar no tempo certo à fábrica, iria direto, sem ir para a unidade em que atenderia no dia. Na empresa, foi atendido cortesmente por um encarregado que o levou até a sala do diretor, para que este o pudesse acompanhar. Achou tenso aquele clima, não tinha nada que conversar com ele, deveria ter com o médico.

-Este é o doutor Ricardo, este é o… me desculpe, qual o seu nome mesmo?

-Marcelo.

-Bom dia.

-Bom dia, o médico da empresa está aqui, gostaria de conversar com ele.

-Pois então Marcelo, é só com ele? É que ainda não chegou, não está em seu horário... Se puder ser com outro, pode conversar comigo, posso lhe mostrar as dependências da empresa para verificar alguma coisa... Desculpe-me a intromissão, é que houve um problema de comunicação interna e não consegui avisar o médico para chegar mais cedo, no horário que haviamos combinado.

-Não, não. Se precisar conversar comigo alguma coisa, podemos, até que ele chegue. Mas preciso falar com o médico. Que horas que ele chega?

O diretor olhou no relógio e respondeu, não muito confiante:

-Já está chegando, daqui vinte minutos, meia hora ele chega.

Pode perceber que o sujeito fez um sinal para o encarregado e a partir dalí, o que parece foi ter havido uma movimentação para contatar o médico, para que este pudesse ir a empresa, o que talvez não faria no dia ou no momento. Quase uma hora depois ele chegou e puderam conversar, enquanto um outro funcionário mostrou a fábrica ao homem, aproveitou para contar um pouco história, era uma empresa nova, existia a pouco menos de dez anos e, se mudara para cidade há uns dois.

O médico chegou, conversaram, e não conseguiu constatar nada que lhe fosse útil à sua investigação, apenas levantar a suspeita de que ele se omite aos problemas dos empregado. A empresa não respeitava todos atestados emitidos e os funcionários não reclamavam por medo de perder o emprego. Embora o diretor tivesse dito que houverá um mal entendido sobre o atraso do médico, não foi o que ficou parecendo, já que toda hora o advogado ia ter com eles, interrompia a conversa e procurava algo na sala, como se quisesse escutar.

Após conversar com o médico e fazer uma nova observação nas dependências da fábrica, só pode levantar uma hipótese ao conversar com as funcionárias. Pediu para que não fosse interrompido, o que tentou deixar claro discretamente, mas após perceber uma certa intromissão de um encarregado, teve que pedir para o homem se retirar da linha de produção por poucos minutos. Teve que conversar com as mulheres alí mesmo, se revesavam no serviço enquanto uma ou outra conversava com ele. Ficavam confinadas naquele lugar, não pudiam sair nem para ir ao banheiro, consequentemente não bebiam água durante o horário de trabalho o que, certamente, contribuiu para àquelas infecções que apareciam constantemente.


Rafael Barros