18 de jul. de 2012

Solidão




     Ela encheu a xícara com o chá já frio feito pela manhã e foi até a janela da sala, sentou-se no parapeito e do décimo oitavo andar ficou olhando o escorrer de carros lá embaixo, com suas luzes e sons circulando pelas ruas lotadas.
     Sábado à noite tem uma cor diferente de todos os outros dias na cidade. Todos parecem estar fazendo alguma coisa ou indo pra algum lugar. Lá embaixo há música por toda parte, pessoas conversando, cantando, pessoas se divertindo. Tem também aqueles que tentam lucrar com a diversão dos outros e aqueles que roubam para bancar sua diversão. Em noites como esta, parece que tudo o que está acontecendo, está acontecendo lá fora. Se você fica em casa, só lhe resta a solidão.
     Mas ela sabe que mesmo que fosse a algum lugar, não conseguiria se divertir, como todas aquelas pessoas lá embaixo parecem estar se divertindo. E se resolvesse sair, ela não teria pra quem ligar, não teria a quem convidar. Pelo menos, ninguém de quem ela goste tanto que a faça soltar-se e tomar uma bebida, que esquente sua garganta e a faça falar sobre seus medos, anseios e tormentos. Suas preocupações, suas dúvidas, seu travesseiro molhado de lágrimas toda noite antes de dormir; tudo isso fica guardado dentro dela, crescendo e incomodando cada vez mais. Ela também sabe que, quando alguém chega ao ponto de tirar a própria vida, é porque deixou essa coisa crescer tanto dentro de si, que não restou mais solução a não ser matar a doença e o doente ao mesmo tempo.
    Felizmente, não é esse o seu caso, ainda. Ela nunca foi suicida. Apesar de nunca ter conseguido encontrar a tão falada felicidade, nunca pensou que teria coragem suficiente para tirar sua própria vida. É para ela um ato muito digno, merecedor de  extremo respeito e compreensão, justamente por simbolizar uma coragem, para ela, inimaginável. Mas, naquela noite de sábado, com seus vinte e cinco anos de idade, sentada no parapeito da janela do seu apartamento, fica pensando. Pensa que deveria estar feliz por
ter chegado relativamente longe, apesar da pouca idade. Feliz por ter deixado a cidade natal há seis anos atrás e vir fazer a tão sonhada faculdade. Tão Sonhada pelos pais e familiares que nunca tiveram essa oportunidade. Mas, e ela? Era realmente isso que ela queria pra si? Quando passara no vestibular, poderia ter certeza de que sim, mas, agora, anos depois, perde noites de sono a pensar se é isso realmente que ela quer. Foram quatro anos fascinantes, apesar do dinheiro curto e do ritmo frenético dos estudos, conheceu muita gente nova, fez várias amizades para a vida toda. Conseguiu um bom emprego numa multinacional, onde pagam bem se você tem um curso superior, mas lhe escravizam se você não tem estudo. Conseguiu parcelar o apartamento em 48 vezes, das quais já pagou oito parcelas. É uma mulher, enfim. Independente, bonita, estudada e empregada.
     Mas, que significado tem todos estes adjetivos, se num sábado à noite ela está sozinha na janela de seu apartamento? Onde estão todas aquelas “amizades para a vida toda”? De que adianta ter um saldo positivo de três mil no banco, se ela não tem com o que gastar? Com quem gastar?
     Sem respostas, resolve espantar o clima pesado que sai de seus pensamentos e preenche todo o apartamento. Vai até o sistema de som e coloca um vinil de John Coltrane. Escolhe “A Love Supreme”, seu favorito, o presente de Coltrane a Deus. E talvez o próprio Deus também concorde, que poucos homens chegaram tão próximos dele através da música quanto chegou Coltrane. Ela então apaga as luzes, abre a gaveta e tira um cigarro do maço – item quem tem se tornado comum naquela gaveta - relaxa com o mantra em forma de Jazz e volta para a janela. A sala está escura mas manchada pela prateada luz da lua crescente. A música lhe faz bem. Preenche todo o lugar, expulsando os pensamentos tristes, ofuscando os problemas e apagando as preocupações. É a companheira perfeita para esta noite de sábado.
     É quando a música, o ser invisível aos olhos mas nitidamente tangível aos ouvidos da alma, se aproxima dela, acaricia seu rosto, solta seus cabelos e lhe estende a mão em convite.
     Então ela desce do parapeito da janela, estende a mão em resposta e dança pelo tapete da sala, de olhos fechados e a mente longe. Algumas vezes, um sorriso colore seu rosto e ilumina o cômodo escuro. Outras, ela fica sem jeito por ter errado o passo, mas se concentra, continua a dança e esvazia sua mente como se meditasse. A tristeza que ocupava seus pensamentos há alguns minutos, agora espera do lado de fora da pista, a olhar a garota que dança esquecida de si, com a música.




(Walisson Menezes)