“A
beleza enche os olhos d’água.”
Adélia Prado
Hoje faz um dia lindo. De luz alaranjada,
céu azul, calor intenso e ocasionais brisas refrescantes. As lágrimas que
teimam em escorrer pelo meu rosto, não são de tristeza, muito pelo contrário,
são de felicidade. Estou iluminado.
Minhas costas ardem pela constante
exposição ao sol, consequência do encantamento de um mineiro que visita a praia
pela primeira vez na vida. Mato a sede com cerveja, consequência do espírito
boêmio de alguém que prefere gastar seu pouco dinheiro com algo mais atraente
do que água mineral ou água de coco. Não, não estou bêbado. Não sou, neste
momento, mais um bêbado chorão, como tantos outros por aí. Choro pelo que estou
vendo. Choro por nunca ter percebido o que agora percebo. Choro também, pela
medíocre condição humana, que só desfruta de sentimentos iluminados como este
em pequenos lapsos de tempo. Provavelmente, daqui a algumas horas, nem me
lembre do que sinto agora. A bebida vai acabar, o sol vai esfriar e outras
coisas sem a mesma beleza e importância chamarão a minha atenção. Voltando
minha existência à mesmisse de sempre.
A felicidade também é efêmera. É como uma
droga em que todos nós já nascemos viciados. Algo pelo qual passamos o tempo
todo à procura, consciente ou inconscientemente. Como um viciado em crack, que gasta
todo o seu tempo e dinheiro na busca pela droga e por aqueles minutos de
satisfação. Nascemos, estudamos, trabalhamos, casamos; fazemos tudo, na
esperança de encontrar a felicidade, mesmo sabendo que ela é passageira, e que,
quando seu efeito se for, estaremos como antes, loucos pela próxima dose.
Sozinho nesta tarde, com os pés
acariciando a areia, presencio uma cena que de tão bela, faz-me sentir indigno
de assisti-la. Há dez metros de distância, no raso, onde a água do mar leva e
trás a areia da praia,
um pai se diverte com seu filho. Os dois se parecem com
todos os outros habitantes desta cidade litorânea. Tem a mesma aparência, o
mesmo sotaque, os mesmos costumes, como se tivessem vivido aqui durante
milênios. Uma cena que por si só já seria bela, um pai e um filho brincando
juntos na praia, acaba sendo ainda mais bonita e significante, pois o garoto
não é como a maioria dos garotos. Este garoto que me enche os olhos d’água, tem
os braços e pernas paralisados. Seus movimentos são involuntários, por isso ele
não pode andar. Ele está, assim como eu, encantado com o mar e o balanço das
ondas, como se fosse a primeira vez que molha o corpo em águas oceânicas. O
menino tem uma expressão constante de extrema felicidade. Seu pai sorri, também
com lágrimas nos olhos, enquanto carrega-o no colo, agachado na areia, deixando
as ondas banharem os dois. Eles brincam entre si e trocam olhares de gratidão o
tempo todo. O garoto é grato por experimentar a mesma felicidade que outros
meninos de sua idade experimentaram várias vezes. A felicidade de brincar com
as ondas, brincar com a água do mar, o berço da vida em nosso planeta. Sentir-se
pequeno e impotente, frente a toda aquela imensidão de água, mas ao mesmo
tempo, sentir-se parte disso tudo. O pai parece estar grato simplesmente por
seu filho existir da forma que é e estar ali com ele naquele momento. O pai,
naquele momento, parece não desejar mais nada da vida. Está feliz, apenas
estando ali com seu filho.
Acendo um cigarro e tento enxugar o rosto.
Em vão, pois as lágrimas continuam a escorrer. Minutos depois, o pai se levanta
com o filho no colo e os dois se vão entre gargalhadas de pura felicidade. Eu, continuo
sentado no mesmo lugar, paralisado de emoção. Já não sou a mesma pessoa, já não
penso mais como antes. Agora sei que esta imagem me acompanhará por toda a
vida. Nunca irei esquecer aqueles dois brincando na praia, na mais bela
interação entre pai e filho que já presenciei. Não tento entender a felicidade
que aquele garoto sentiu naquele momento. Mas sei que é um tipo de felicidade
que eu e você nunca sentiremos.
(Walisson
Menezes)