Toda forma de arte leva em si, consciente
ou inconscientemente, o sonho da imortalidade. Além do objetivo primordial de
se expressar, o artista também deseja ser lembrado depois de sua morte. Os
criadores que são reconhecidos durante a vida sempre se questionam por quanto tempo
serão admirados, citados e estudados, depois que se forem. Já os artistas que
ainda não foram reconhecidos, sonham com o dia em que terão, enfim, sucesso –
não me refiro ao sucesso comercial, mas sim a alcançar seus objetivos artísticos,
que é o maior sucesso que um artista pode desfrutar. Os “gênios incompreendidos”
costumam se confortar dizendo si próprios que a humanidade ainda não está
preparada para sua arte. Como não estavam preparados para a pintura de Van Gogh
no séc. XIX.
Pois tenho uma má notícia para vocês,
gênios incompreendidos; nem Van Gogh será lembrado para sempre!
Se, como num passe de mágica ou através de
auto destruição, a humanidade deixasse de existir, quase nada restaria de vestígios
de nossa civilização. Sem humanos para fazer a manutenção, logo a natureza
reciclaria tudo que um dia foi modificado pelo homem.
Até mesmo os satélites
artificiais na órbita da terra, depois de algum tempo sem as regulagens
necessárias, terminariam perdendo altitude, até serem tragados pela atmosfera e
vaporizados durante a queda.
Em um mundo sem seres humanos, toda a incrível arquitetura
criada pelo homem seria destruída. Os grandiosos arranha-céus de Nova York seriam
apenas ruínas disformes, depois de trezentos anos de intervenções naturais. A
vegetação cresceria das rachaduras no asfalto e acabaria por tomar todo o solo
da cidade, após cinquenta anos. O Cristo Redentor, no Rio, mal duraria duzentos
anos, até que as primeiras partes começassem a desmoronar, primeiro os braços e
depois a cabeça. O mesmo aconteceria com a Estátua da Liberdade. Belo
horizonte, que ainda preserva uma grande área verde, logo seria tomada por
ervas, árvores e animais. Na Capela Sistina, os afrescos de Michelangelo
ficariam esmaecidos em pouco tempo, até que o teto começaria a rachar pela umidade
e desmoronaria. Por incrível que pareça, a Palavra duraria mais do que a
maioria das construções. Os papagaios, hoje domésticos, voltariam á vida
selvagem. Alguns morreriam, outros conseguiriam se readaptar ao meio selvagem e sairiam repetindo por anos as mesmas palavras que aprenderam com os humanos.
Os filhotes destes papagaios aprenderiam algumas dessas palavras com seus pais,
mas noventa por cento do vocabulário seria perdido a cada geração. Como um papagaio
vive até setenta anos, ao final de mais ou menos trezentos anos já não se
ouviria nenhuma palavra pelo planeta.
Em dez mil anos quase nenhum vestígio de
humanidade seria visível, na superfície da terra. As Pirâmides do Egito ainda
estariam no mesmo lugar, mas seria só
uma questão de tempo, até serem completamente cobertas pela areia do deserto. A
terra também já teria enterrado todas as cidades pelo mundo.
Após cem milhões de anos – pouquíssimo tempo
dado a idade do planeta e do universo – fósseis seriam um dos poucos resquícios
do que um dia foi a humanidade. Chega a ser irônico, mas uma das poucas coisas
que resistiriam todos esses anos, seria algo que não foi criado pelo homem:
seus próprios ossos. O fosfato e o cálcio em nossos ossos, são duráveis como os
de Dinossauros, e permaneceriam enterrados por milhões de anos.
Talvez, num futuro longínquo e
indeterminável, outra forma de vida inteligente e racional habitará nosso
planeta. Estes seres pesquisariam o solo e descobririam nossos fósseis. Após
anos de estudos, eles ligariam as peças até terem uma boa ideia do que foi
nossa civilização. Eles entenderão muito sobre nossos anos de estadia no
planeta e até deduziriam que nós nos expressávamos através de várias formas de
arte, mas, nenhuma obra restaria. Nem vestígios de Shakespeare, Michelangelo, Dostoiévski, Sócrates, nada. Talvez eles tenham mais cautela do que nós ao
habitar o planeta. Talvez entendam mais rapidamente que tudo o que constitui a
Terra é parte integrante do mesmo gigantesco organismo. E que o mau uso do que
nos cerca é como dar um tiro no próprio pé. Talvez...
(Walisson
Menezes)