18 de abr. de 2012

Pelos Botecos do Amor





     Aquele safado, sem vergonha, vagabundo de merda, tem a cara de pau de me ligar a essa hora da noite só pra fazer hora com a minha cara. Sou uma burra mesmo, por ter atendido esse telefone. Quem ele pensa que é pra ligar pra casa de mulher direita uma hora dessas e ficar me provocando, me confundindo, me atazanando? Há muito tempo que cortei esses direitos. Não tenho tempo a perder com vagabundo, não! Sou mulher de família, trabalhadora. Quem ele pensa que é? Quem ele pensa que eu sou?
     Eu devia ter adivinhado desde a primeira vez que o vi. Naquele boteco sujo, fedendo a copo de cachaça mal lavado, sentado no balcão, conversando com o velho dono do bar. Aquele jeito displicente de quem não está nem aí pra nada, de quem não se preocupa com nada, de quem não tem nada. Falando alto, gesticulando, sorrindo, contando casos. Como eu pude ser tola o suficiente para lhe dar atenção quando ele veio de conversa mole pra cima de mim? Eu, que só havia entrado naquele chiqueiro para perguntar qual ônibus eu poderia pegar pra descer no centro. Eu, que estava feliz da vida, realizada com meu primeiro dia no novo emprego. Estava praticamente perdida, naquela região desconhecida. O dono do bar mal tirou os olhos da flanela encardida, com a qual limpava o balcão, para me dizer que não sabia qual ônibus eu poderia pegar. Já ele, safado, de pronto se ofereceu para me ajudar:
     - Uai, moça, eu já estava de saída e também estou indo pro centro. Se a senhorita não se incomodar, posso acompanha-la até lá.
     É claro que eu disse que não precisava. Mas ele insistiu e eu não poderia impedi-lo de pegar o mesmo ônibus que eu, afinal, vivemos em um país livre. Assim, acabamos indo juntos até o centro. Ele de conversa mole, falando que era engenheiro e que seu carro estava na oficina, por isso estava pegando ônibus. Eu, sorrindo para tudo o que ele dizia, fingindo atenção, educada. O ônibus lotado, a cidade iluminada, gente por toda parte. Eu, radiante pelo meu novo emprego, nem me incomodava com aquilo tudo, estava com a guarda baixa. As pessoas a nossa volta também riam das palhaçadas que ele contava. Na verdade, tenho que admitir que ele era simpático. Sabia conversar, era engraçado, estava bem vestido, cheiroso, pele morena, olhos verdes... Filho da mãe! Como pude ser tão boba em acreditar naquele monte de baboseiras que ele disse?! Eu devia ter percebido desde o inicio que ele não era engenheiro porcaria nenhuma. O que diabos um engenheiro estaria fazendo naquele boteco imundo? Na verdade ele não passava de um pedreiro, pinguço, galinha. E o carro dele estava na oficina porque era um Opala velho, fudido, caindo aos pedaços. O mesmo Opala que quebrou várias vezes com a gente no meio da madrugada.
     Agora, depois de tanto tempo desde aquela tarde em que o conheci. Depois de tanto tempo juntos, dia após dia descobrindo uma nova mentira contada por ele. Depois de ter dado um ponto final nessa história. Justo agora, que eu já estava conseguindo esquecer aquele filho da mãe, ele vem me ligar uma hora dessas pra me atazanar. Dizendo que ainda me ama, que pensa em mim todo o tempo e que está me ligando do bar porque só consegue me esquecer bebendo. Até parece! Deve estar é cheio de vagabundas embaixo dos braços, caindo de bêbado e me ligou porque não consegue ir pra casa sozinho. Por que aquele inútil tinha que escolher logo um boteco tão perto da minha casa? Só pra me tentar mais ainda a ir lá e dar uns belos tapas naquela cara de pau. É isso que da vontade de fazer, encher ele de porrada, rodar a baiana, gritar pra todo mundo ouvir que ele não presta.
     Pois é isso que eu vou fazer: pegar minha bolsa, descer correndo a ladeira, chegar no bar gritando e espantando aquele monte de vagabunda que deve estar debaixo das asas dele. Rasgar aquela única camisa cara que ele deve estar usando. Vou unhar a cara dele e falar isso tudo que está entalado aqui na garganta.
     Vou pega-lo pelo braço e levar pra minha casa. Vou cuidar dos ferimentos dele, joga-lo debaixo da água fria, passar um café bem forte. E depois, vou dormir com ele.
     Burra!




(Walisson Menezes)