O sol me acordou soprando fogo em meu rosto. Talvez ainda estivesse chapado, ou então, sentia-me tão mal justamente por estar sóbrio. Não tinha certeza de quem eu era, não sabia onde estava. Só percebia os rostos incomodados pelo empecilho que meu corpo, estendido no chão, representava aos anônimos da manhã. Meu cheiro forte de álcool contrastando com o cheiro de banho tomado e pasta de dente deles. Senti um chute, “Levanta daí, seu merda! Tá atrapalhando a entrada da loja!”. Era um velho barrigudo e asqueroso, que gritava com uma vassoura na mão.
Quando enfim entendi que havia despertado, caminhei lotado pelas calçadas doentes. Segui apressado através da multidão ébria. Sentia-me sufocado, encurralado. Não fui muito longe. Logo tive de me esconder dos olhares fulminantes e descarregar toda a felicidade barata que eu havia depositado em meu estômago durante a noite.
Não sabia aonde ir. Será que eu tinha aonde ir? Aquelas pessoas apressadas que esbarravam em mim - ou seria eu que esbarrava nelas – pareciam tão conscientes de onde suas pernas as levavam. Pareciam tão sensatas. Até o senhor mais mal vestido e desalinhado parecia mais bem sucedido que eu. Haveriam eles cruzado meu caminho alguma vez? Voltariam a cruzá-lo novamente? Algum parente desconhecido? Algum amigo guardado sem querer nos meus porões do esquecimento? Alguém que me levasse para tomar café, lavar o rosto, respirar ar fresco...
Não. Ninguém. Nenhum deles parecia amigável. Só reparavam em mim para evitar que meu corpo sujo e fedorento esbarrasse em suas roupas limpas e perfumadas. Pouquíssimos olhavam para o céu incrivelmente azul daquela manhã. Menor ainda era o número daqueles que traziam um sorriso no rosto. A maioria carregava seus sorrisos no bolso, para serem usados apenas quando necessário. Para serem sacados quando pedissem desculpas, informação, dinheiro ou usados como máscaras na presença do patrão.
Todos tão preocupados com o que tinham ou queriam ter, com quem se pareciam ou gostariam de ser. Tudo o que eu tinha era aquele momento, o presente. Um corpo desajeitado e doente, uma mente desorientada e confusa, em uma cidade ensurdecedora e ao mesmo tempo tão silenciosa.
(Walisson Menezs)